Pode ser cedo demais para aprender?

Existem momentos adequados para determinadas aprendizagens, em particular no que toca às aprendizagens escolares, que devem ser respeitados.

Na maioria das vezes, as aprendizagens escolares são impostas, sendo o perigo fundamental a inibição da curiosidade da criança. Não raras vezes, longe de ser desinteressada ou preguiçosa, a criança terá, certamente, outros interesses, outras preocupações.
Na prática da Psicologia Infantil, deparamo-nos com diversos casos de crianças com dificuldades escolares, que tiveram que aprender “cedo demais”. Estas crianças, regra geral, ou entraram cedo demais (antes de completarem 6 anos de idade) para o ensino primário, ou foram sujeitas em idade precoce a ensinamentos para os quais não estavam preparadas – ou seja, nos quais não tinham interesse nem necessidade, tanto intelectual como afectiva.
Em artigo no site Psychology Today, Peter Gray alerta de forma pragmática, e desafiante, para os perigos das aprendizagens fora de tempo. Na verdade, podemos até mesmo questionar o papel da escola, seja o ensino primário, seja o pré-escolar, e o valor das aprendizagens que impomos às crianças.
Será o ensino o principal papel da escola?
No caso do pré-escolar, o ensino académico não deveria ser, de todo, o principal papel da escola. E no entanto, está generalizada a necessidade de ensinar crianças do pré-escolar a ler, a escrever, ou a fazer cálculos matemáticos.
As crianças já nascem equipadas para aprender, o que resto é repetidamente confirmado por estudos neurológicos. Mas esse equipamento não funciona a qualquer custo. Sobretudo, não funciona desligado dos interesses afectivos da criança. Ao sobrecarregar a criança com exigências intelectuais fora de tempo, o seu desenvolvimento afectivo ficará em “modo de espera”, e aumentam as probabilidades de surgirem dificuldades, afectivas e intelectuais, a jusante.
Voltemos ao início.
É importante que as crianças tenham, ao dispor, adultos interessados no que estas precisam aprender para o futuro. Mas as crianças precisam de tempo. Tempo para se descobrirem, e para descobrirem o mundo.
Todas as crianças que ingressam na escola primária, antes de completarem 6 anos de idade, estão potencialmente em risco de se depararem com dificuldades no seu percurso escolar e pessoal. Porque não brincaram o suficiente. Porque não cresceram. E sobretudo, porque não exploraram as questões afectivas e intelectuais da maior seriedade para si próprias, antes de se poderem dedicar às exigências do ensino escolar.